Diário de bordo 8

27 set / 16 5 : 42 h

Tatu- bola: uma espécie bandeira para criação do Parque Nacional do Cânion do Poti

Muito se pergunta o porquê de se proteger um bichinho tão peculiar como o tatu-bola. Porque ele está em risco de extinção e pode servir como espécie bandeira para identificar o quão cuidado está aquele bioma/área. Foi dele que fomos à procura na primeira Expedição Tatu-bola, ação do Programa Tatu-bola, apoiado pela Fundação Grupo Boticário.

Mapeamos a região do Cânion do Poti, onde ainda há forte registro do mamífero.

Espécies bandeiras são utilizadas com funções estratégicas e elas têm sido frequentemente definidas como:
– espécies popularmente carismáticas que servem como símbolos ou focos principais para estimular pensamentos e ações de conservação;
– espécies que facilitam a arrecadação de apoios financeiros, permitindo a proteção dos habitats;
– espécies que se tornem símbolo e elemento de liderança de uma campanha de um ecossistema completo;

Geralmente é um grande vertebrado carismático que pode ser usado para ancorar uma campanha de conservação, pois desperta o interesse e a simpatia do público. Nesse sentido, o tatu-bola será o embaixador para a criação do Parque Nacional do Caniôn do Poti e nossa missão é encontra-lo nesse ambiente inóspito e pouco explorado.

Nossa aventura começou no dia 02 de agosto quando saímos de Fortaleza às 5h da manhã. Nesse primeiro passo já ganhamos de presente um nascer do sol maravilhoso! Seguimos sentido Crateús, passando pela Serra da Ibiapaba. A viagem foi longa e teve duração de cinco horas. Após o abastecimento dos mantimentos partimos para a comunidade do Bebedouro, no município de Buriti dos Montes (PI). Pegamos uma estrada de terra mesclada com rochas do Piauí, o que montou um cenário único de caatinga pelo caminho.

O município é pequeno e Localiza-se na microrregião de Campo Maior, mesorregião do Centro-Norte Piauiense. O município tem 7626 habitantes e 2296 km² e é nesse município que se encontra o Caniôn do Poti. Na chegada fomos acolhidos por uma comunidade que possui 19 famílias. E no bebedouro passamos nossa primeira noite.

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Já ao amanhecer partimos para o nosso primeiro desafio – subir a Serra da Baleia. Durante o percurso passamos por diferentes vegetações e formações geológicas que compõe a bacia do Poti.

Após quase 16 km de exploração retornamos à comunidade do Bebedouro. E, como nossa missão é encontrar o tatu-bola, saímos para a primeira noite de captura. Essa campanha teve apoio da comunidade local, que tem como parte de sua cultura a caça de subsistência. E nesse dia pudemos perceber que esse será o nosso maior desafio para conservação da espécie no local: mostrar para as pessoas alternativas à caça.

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Além dos dados biológicos foi possível levantar informações geoambientais, o que facilitará nossas próximas saídas. Terminamos esse dia exaustos às 5h da manhã, mas encantados com a lembrança do lindo exemplar de tatu-bola.

Como o sol do sertão não deixa ninguém ficar dormindo, às 8h já estávamos de pé e partimos para outra localidade conhecida por Fazenda Espírito Santo. Na chegada fomos recebidos por um casal de sertanejos que vivem no local há quase 30 anos: seu Zé Caboclo e dona Francisca. A Fazenda possui sua sede centenária e bastante rústica, sem água encanada e eletricidade, mas nela encontramos o maior complexo de pintura rupestre da região, o sítio da Bebidinha, cartão postal do Caniôn do Poti.

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Durante a noite voltamos a focar em nossa maior missão – a captura do tatu-bola dentro dos limites do nosso futuro e tão esperado Parque Nacional Caniôn do Poti. Para nossa equipe missão dada é missão cumprida. Conseguimos mais um exemplar! Um lindo macho de tatu-bola! Após a biometria, coleta de amostras, o animal retornou da anestesia e voltou para sua casa, a caatinga.

Como nossa missão é proteger esse lindo santuário, passamos por escolas e comunidades explicando o projeto e a importância da proteção da fauna e flora. Foi um momento único de encontro entre pesquisa e sociedade. Para fechar o dia com chave de ouro vimos de perto uma apresentação de uma família de sanfoneiros, uma verdadeira riqueza brasileira. Foi muita emoção e lágrimas.

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Já no sétimo dia de expedição, partimos para uma nova localidade – Cachoeira da Lembrada. Nesse local foi possível encontrar arraias que sobem do mar pelo rio Parnaíba até o Rio Poti.

Após montarmos acampamento tomamos um banho de rio e nos preparamos para mais uma difícil captura. Saímos às 20h da noite depois de um jantar à beira da fogueira e andamos mais de 15 km com três frentes de trabalho.

Quando menos esperávamos conseguimos três exemplares. Foi realmente algo muito atípico, mas resultado de um esforço único da equipe. Voltamos para o acampamento, pois já estava amanhecendo, cada passo naquela areia era uma tarefa árdua. Estávamos realmente no limite da exaustão, mas a sensação de dever cumprido nos acompanhava.

Pela manhã passamos para a próxima etapa da expedição, dessa vez fomos pela água! Para essa tarefa, enfrentamos o momento mais difícil – um paredão de mais de 30 m. Ele que nos daria acesso ao rio para que pudéssemos descer todos os equipamentos, caiaques, mantimentos e, claro, a própria equipe. Depois de 3h de trabalho em baixo de um sol escaldante, pudemos desfrutar do nosso primeiro dia navegando o rio Poti.

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No final da tarde, depois de muito quilômetros de remada, chegamos a um dos lugares mais lindos, a casa de pedra. Um talho na pedra na forma de rachão possibilita armar as barracas e desfrutar de uma sombra entre os paredões do Canion do Poti. A estrutura tem mais de 40 metros. Foi uma noite linda e estrelada.

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Acordamos cedo e continuamos nossa jornada, no final do dia já estávamos no famoso poço da cruz, uma formação geológica em formato de cruz. Depois de algumas horas fomos resgatados e nossa expedição continuou de carro, o famoso pau de arara.

Nossa última parada, seria a pedra do castelo, mas depois de tantos quilômetros rodados não só a equipe estava exausta, o nosso carro não aguentava mais e acabou quebrando. Acontecida essa desventura só nos restou pegar uma carona no caminhão cheio de bodes e voltar para a cidade mais próxima, Castelo do Piaui e lá finalizarmos a nossa andança em busca desse tão lindo animal.

Finalizamos nossa expedição, com dados inéditos sobre a espécie, novos sítios arqueológicos mapeados, levantamento das fitofisionomias do local e muita, mas muita força para brigar pela criação desse santuário, o nosso Parque Nacional do Caniôn do Poti.

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Curiosidade sobre o Poti

O Rio Poti percorre litologias distintas na porção cearense, onde predomina a estrutura cristalina do Pré-cambriano da Unidade Canindé. Geomorfologicamente, o Cânion do Rio Poti pode ser classificado como um segmento de cuesta, ou seja, um relevo dissimétrico, formado por um perfil côncavo em declive íngreme e do outro por um planalto sedimentar suavemente inclinado, sendo o cânion resultante do entalhe da feição sedimentar, formando paredões de até 300m de profundidade.